Imprensa O que “vem de Bruxelas” e o que não vem…

Artigos de Opinião | 07-02-2024 in Dinheiro Vivo

“Na Europa, somos bons é a fazer legislação”. O comentário, que ouvi mais do que uma vez no XXIII Congresso da Ordem dos Engenheiros, que decorreu no dia 26 de janeiro, no Porto, era obviamente depreciativo. Num evento em que a indústria se fez representar em força, foram muitas as queixas sobre o grau de exigência das reformas que têm vindo a ser adotadas na União Europeia, com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu e das transições verde e digital como fio condutor.

Sendo legisladora, e tendo estado diretamente envolvida, inclusivamente como relatora, em vários dos diplomas em causa, não deixo de compreender o desabafo. Eu própria, em diversas ocasiões, tenho insistido para que estas medidas e estas metas, que temos vindo a aprovar em Bruxelas e em Estrasburgo, sejam acompanhadas da criação de condições para que as mesmas possam ser aplicadas.

Desde logo ao nível do investimento, tanto por via de incentivos diretos aos diferentes setores como apostando na investigação científica e na inovação, as quais nos irão permitir fazer esta transição sem perda de competitividade e com mais crescimento económico.

No fundo, conjugando a sustentabilidade ambiental com a económica.

Também compreendo a frustração que alguns atores sentem com um certo determinismo que por vezes chega dos decisores europeus. Por exemplo, no que respeita à eleição de determinadas tecnologias em detrimento de outras. O caso dos automóveis é paradigmático: as regras aprovadas pela União Europeia, apontando para o fim em 2035 dos novos veículos com motores de combustão interna, orientam-nos quase exclusivamente para a opção da eletrificação, quando existem outras opções a considerar, tais como o recurso à nova geração de combustíveis renováveis.

Nem todos os deputados escolheram este rumo. O Partido Popular Europeu, família política na qual o PSD está inserido, sempre defendeu a neutralidade tecnológica. Infelizmente, não foi possível reunir os votos necessários para se avançar com essa solução mais equilibrada. São as regras da democracia, sendo que cabe aos eleitores escolherem quem querem que os represente e às ideias que defendem.

Mas também é importante sublinhar que toda a legislação que emana da União Europeia é o resultado de um longo processo de ponderação, negociação e decisão, envolvendo múltiplos protagonistas, e não o fruto das ideias de um qualquer grupo de eurocratas deslocados da realidade.

Mesmo antes de a Comissão Europeia fazer propostas legislativas, existe um período de consulta das diferentes partes interessadas e de aconselhamento com especialistas. Segue-se todo um processo negocial no Parlamento Europeu, no qual têm de ser conciliadas diferentes sensibilidades políticas, nacionais, regionais, setoriais, no qual são novamente todas as partes interessadas da sociedade e da economia. Finalmente, nas negociações com o Conselho, o Parlamento Europeu tem de se entender com os representantes dos diferentes Estados-Membros, os quais, querendo, podem bloquear o acordo. Ou seja: quando as “leis de Bruxelas” chegam aos países, já decorreu um longo processo.

Mas adotar não equivale a aplicar. Cabe à União Europeia no seu conjunto, mas também individualmente a cada Estado-Membro, criar as condições para que as reformas sejam bem-sucedidas. E é aqui que muitas vezes surgem as dificuldades nacionais.

Quando olhamos para os números da execução do Plano de Recuperação e Resiliência, cuja tónica era colocada sobretudo nas transições verde e digital, e constatamos os valores absolutamente medíocres dos apoios concedidos - e efetivamente pagos – em Portugal ao setor privado, nomeadamente à indústria, ou quando lemos que o Estado tem em dívida mais de 100 milhões de euros em apoios a associações e empresas ainda referentes ao Portugal 2020, é escusado olhar para Bruxelas em busca de explicações sobre o que está a correr mal.

A União Europeia está longe de ser um projeto perfeito. Mas continuo a acreditar que, sabendo os governos nacionais, mas também as suas empresas e setor privado em geral, aproveitar as oportunidades, é muito mais aquilo que nos proporciona do que o que nos exige. Veja-se o exemplo de algumas economias de Leste, que nos ultrapassaram recentemente. Veja-se também o caso de Portugal, sobretudo no final da década de 1980 e primeira metade da década de 1990.

Quando procuramos causas externas para os nossos problemas, arriscamo-nos a não os resolvermos.

 

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